Portugal viveu, nos últimos anos, uma das transformações mais silenciosas, mas também mais profundas, da indústria têxtil europeia. O que antes era um setor marcado pela subcontratação e pela competição em preço tornou-se um ecossistema que combina inovação tecnológica, rastreabilidade e responsabilidade industrial.
A transformação sustentável do têxtil: quando a sustentabilidade se torna vantagem competitiva
No Norte do país, entre Barcelos, Guimarães, Vila Nova de Famalicão e Santo Tirso, formou-se um dos clusters têxteis mais avançados e importantes da Europa. É ali que se prova, todos os dias, que a sustentabilidade pode ser um motor económico, não apenas um discurso. Empresas portuguesas de diferentes dimensões passaram a integrar objetivos ambientais e sociais nas suas operações, não por obrigação regulatória, mas porque perceberam que é isso que cria valor, aumenta a eficiência e a produtividade e fideliza clientes internacionais.
O “Made in Portugal” deixou de ser apenas uma indicação de origem. Tornou-se uma promessa de coerência entre o que as marcas dizem e o que realmente fazem. Em vez de campanhas de marketing verdes e ecológicas, o que distingue hoje o têxtil português é a capacidade de mostrar, com evidência, processos limpos, traçabilidade e fábricas com energia renovável e sistemas digitais de controlo de produção.
Como observam consultores, após visitar fábricas nacionais, “a sustentabilidade aqui não é um slogan, é uma forma de operar.” E é isso que explica por que tantas marcas internacionais, da Escandinávia aos Estados Unidos, olham agora para Portugal como a nova referência europeia e mundial em produção sustentável e responsável.
Como empresas de produtos têxteis usam Portugal como credencial de sustentabilidade
Nas marcas de têxteis-lar e vestuário, “Made in Portugal” tornou-se um selo de confiança. Não se trata apenas de qualidade artesanal, mas de conformidade ambiental, transparência e proximidade com o mercado europeu.
Vários exemplos mostram como as empresas estrangeiras usam Portugal como parte ativa da sua narrativa de sustentabilidade:
Tekla Fabrics (Dinamarca) destaca-se pelos seus lençóis e toalhas produzidos em Portugal, feitos com linho 100 % francês e concebidos segundo elevados padrões ambientais. As suas coleções privilegiam materiais naturais e duráveis e são produzidas em fábricas reconhecidas pela qualidade e responsabilidade nos processos de fabrico, com certificações OEKO-TEX® aplicáveis a vários produtos.
Secret Linen Store e Bedfolk (Reino Unido) sublinham que produzem em fábricas portuguesas. A Secret Linen Store exige auditorias éticas de terceiros alinhadas com o ETI/ILO e trabalha com fábricas certificadas OEKO-TEX. Ambas destacam segurança química nas suas coleções.
Juniper (Suécia) e Delilah Home (EUA) destacam-se pelas suas coleções sustentáveis produzidas em fábricas portuguesas, a primeira com toalhas em algodão Supima certificadas OEKO-TEX®, e a segunda com roupa de cama em algodão e cânhamo orgânico certificada GOTS e vegan, fabricadas em unidades familiares com práticas responsáveis.
Parachute Home e The Citizenry (EUA) contam histórias sobre moinhos familiares em Guimarães, transmitindo autenticidade e herança industrial.
VEJA, marca francesa de calçado, comunicou abertamente o nearshoring da produção para Portugal como parte do seu esforço de reduzir pegada de transporte e aumentar a agilidade para o mercado europeu.
A BAINA (Nova Zelândia) e a Weezie Towels (EUA) produzem toalhas orgânicas em fábricas portuguesas e realçam padrões de segurança química.
Estas marcas recorrem a Portugal não apenas porque é competitivo, mas porque encurta a distância entre o discurso e a prática.
Ao contrário de outros polos produtivos, o cluster português oferece escala moderada, qualidade controlada e cultura de melhoria contínua. Três ingredientes críticos para quem quer construir cadeias de fornecimento mais sustentáveis.
Portugal como driver de sustentabilidade empresarial e industrial
Portugal tornou-se um caso de estudo sobre como um país periférico pode usar a sustentabilidade como estratégia de reindustrialização.
Três fatores explicam esse sucesso:
Energia limpa e estável. Em 2024, cerca de 71 % do consumo de eletricidade nacional originou em de fontes renováveis, e o objetivo é chegar aos 85 % até 2030. Isso permite que as fábricas portuguesas comuniquem uma pegada de carbono significativamente menor do que a de concorrentes em geografias, onde o recurso a energia proveniente de combustíveis fósseis ainda é dominante.
Infraestrutura de inovação. O CITEVE, centro tecnológico do têxtil e vestuário, tornou-se uma âncora para I&D, certificação e testes de novas fibras e processos. É o motor de projetos de descarbonização, química verde e bioeconomia que envolvem dezenas de empresas nacionais.
Ecossistema colaborativo. De designers, a produtores de fio e produtores de vestuário, apoiados por universidades e centros de investigação, existe uma cadeia completa que partilha know-how e se organiza em torno de clusters como o Textile Portugal, com apoio de programas europeus e do Plano de Recuperação e Resiliência.
Este alinhamento entre política pública, capacidade técnica e ambição empresarial criou uma cultura de sustentabilidade aplicada, que já gera valor tangível: acesso a novos mercados, prémios de exportação, parcerias com universidades internacionais e reputação crescente junto de marcas premium.
O resultado é um novo paradigma: a sustentabilidade deixou de ser um custo para se tornar um ativo competitivo.
Exemplos de têxtil em Portugal que fizeram transformações sustentáveis para exportar
O têxtil português deixou há muito de ser apenas uma indústria — tornou-se um movimento de reinvenção. Em fábricas que outrora competiam apenas por preço, hoje nascem soluções que cruzam biotecnologia, circularidade e regeneração. Empresas como a Valérius 360 que viu que poderia aproveitar e transformar os seus proprios desperdicios para criação de novos tecidos e malhas, ou como a Tintex que viu que explorando a quimica verde conseguia dar cor e acabamentos texteis de uma forma biodegradavel. Ou outras, como a ATB que se tem destacado como um verdadeiro laboratório vivo, desenvolvendo e optimizando processos de tingimento baseados na fermentação de bactérias que reduz drasticamente o impacto desta operação com menor consumo de água e de energia, o que faz da empresa um exemplo de inovação partilhada que atrai stratups internacionais para desenvolvimento de outras tecnologias de menor impacto. A TMG líder em tecidos revestidos para o setor automovel que alia a performace técnica com sustentabilidade, com um portefolio de patentes que reflectedecadas de investimento em I&D. Já o Grupo Impetus, canaliza a sua capacidade de investigação para o desenvolvimento de vestuário interior técnico e funcional mostrando como a inovação pode gerar conforto, valor e diferenciaçao
Estes são alguns exemplos nacionais que provam que a inovação aberta pode ser aliada da estética e da eficiência, investindo em descarbonização, traçabilidade digital e novos materiais funcionais.
Na base da cadeia, a Tearfil continua a dar fio à história — literalmente. Uma das poucas fiações ainda ativas em Portugal, combina tradição e tecnologia de ponta, e resultado disso é a sua parceria com a Spinnova que resultou numa unidade piloto para produzir fios a partir de fibras regeneradas para todo mundo, colocando o país no mapa da bioinovação europeia. E enquanto isso, novas vozes como a Next Generation Chemistry que tem o primeiro laboratorio de genetica molecular aplicada ao setor textil onde disseca o ADN para criação de produtos quimicos e corantes sem recorrer a petroquimica, e que já provou poder-se produzir vestuario sem recurso à petroquimica. Ou como a RDD Textiles e a Positive Materials que estão a expandir os limites da matéria, cruzando ciência, design e propósito.
Este ecossistema em ebulição mostra que a sustentabilidade em Portugal não nasceu do marketing — nasceu do chão de fábrica, da coragem de quem decidiu mudar antes de ser obrigado. E é por isso que o “Made in Portugal” deixou de ser apenas uma origem: é uma declaração de valor, uma promessa de coerência entre o que se diz e o que se faz.
The LYCRA Company – Cradle to Cradle Certified®
A Sustenuto colaborou com a The LYCRA Company na obtenção da certificação C2C Certified® Material Health Gold, para a fibra LYCRA® utilizada em vestuário, garantindo um produto seguro tanto para a saúde humana, como para o meio ambiente. Esta certificação, integrada no programa Cradle to Cradle Certified®, representa um marco importante na transição para produtos têxteis mais seguros e sustentáveis.
O processo envolveu uma avaliação rigorosa da composição química das fibras, assegurando que todos os materiais utilizados estão livres de substâncias perigosas e cumprem os mais elevados padrões de sustentabilidade.
O papel da Sustenuto foi essencial na gestão e coordenação do projeto, garantindo a qualidade dos dados e a confidencialidade das informações. A empresa liderou um processo complexo que envolveu uma cadeia de valor global, assegurando que os dados químicos fossem precisos e provenientes de fontes técnicas credíveis. Além disso, criou as condições de confiança e segurança necessárias para a partilha de informações sensíveis por parte dos fornecedores, contribuindo para uma avaliação transparente e eficaz dos materiais.
Com esta certificação, a LYCRA® consolida a sua posição como referência em inovação sustentável na indústria têxtil. Os seus produtos distinguem-se não apenas de elevada qualidade, mas também seguros para as pessoas e o planeta. Este compromisso contínuo com a sustentabilidade e a segurança dos produtos reflete a liderança da The LYCRA Company num setor competitivo cada vez mais orientado para práticas de produção responsáveis.
Conclusão
O caso do têxtil português mostra que a sustentabilidade deixou de ser uma narrativa externa e passou a ser o próprio sistema de criação de valor. O que antes era reaçao tornou-se antecipação, e o que era custo, ou até ficção científica tornou-se vantagem competitiva.
Enquanto outros esperam pela próxima vaga regulatória europeia, em Portugal multiplicam-se as provas de que agir cedo compensa. Aqui há fábricas a fazer o futuro acontecer. Não por marketing, mas por convicção. O setor textil português transformou restrições em oportunidades, unindo resiliência e inovação para construir um modelo de indústria relevante.
A nova vantagem competitiva não está em produzir mais, mas está em produzir melhor, com propósito, e com provas.
É essa combinação rara que faz de Portugal não apenas um fornecedor, mas um laboratório vivo de transição sustentável europeia.
Este artigo foi elaborado pela equipa da Sustenuto, em colaboração com o consultor Luís Cristino, especialista com vasta experiência no setor têxtil, no contexto da conferência Textile Exchange, realizada em outubro de 2025, em Lisboa.
A Sustenuto é uma consultora europeia especializada em sustentabilidade corporativa e transformação empresarial.
Apoia empresas, investidores e instituições públicas na integração da sustentabilidade como eixo estratégico, unindo regulação, gestão e impacto.
Em Portugal, atua com equipas locais e rede internacional, acompanhando de perto as evoluções do CSRD, CSDDD e da agenda de transição climática e circular da União Europeia.
Com experiência em múltiplos setores, desde a energia ao retalho, da saúde à indústria transformadora, a Sustenuto ajuda as empresas a navegar a incerteza regulatória e a transformar sustentabilidade em valor económico e reputacional.
A Sustenuto está presente em Portugal com a liderança da Ana Quintas e Tomás Adão da Fonseca.
O Luís Cristino é um estratega de sustentabilidade e fundador da OMA, uma plataforma dedicada à transição para modelos circulares e regenerativos.
Com mais de duas décadas de experiência na indústria têxtil portuguesa, especialmente nas áreas de tingimento e acabamento, passou da operação para a transformação, ajudando empresas a repensar como criar valor sem causar dano.
Hoje, liga indústria, ciência e estratégia para acelerar a transição do setor têxtil de “menos impacto” para “mais positivo”.
É consultor de conselhos de administração em empresas do setor, membro dos Comités Técnicos de Normalização da Economia Circular (CT218) e do Passaporte Digital de Produto (CT228), e defensor de uma sustentabilidade autêntica e sistémica.